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sábado, 17 de julho de 2021

Ao amigo



Quisera eu que a tradução de um objeto que pudesse representar força e resistência, representasse também a consideração e respeito por um sujeito muito especial, por quem tenho muita consideração. Gostaria! 

Na busca de um empenho que pudesse guardar no tempo a consideração que tenho no peito, pensei. 

E pensei, e pensei. 

O pensamento me fez revisitar tantas histórias, tantos momentos, tantas risadas. De tanto pensar, não encontrei respostas, mas criei muitas perguntas. Como tornar a vida mais saudosa? Como viver a vida como se a cada dia tivéssemos nossa última chance (mesmo sem ser a última)? É preciso perder para valorizar? Por que não celebrar a vida, enquanto a tivermos em abundância? 

E diante de muitas indagações, um ato. Encontrei simbolicamente algo que pudesse preencher com afeto, o reconhecimento e a gratidão por uma amizade verdeira, que escreve sua história através do tempo. 

A arte japonesa secular de produção de espadas considera que as espadas sejam fabricadas à mão, como um trabalho artesanal. Uma produção não comercial, sem produção em série, faz com que cada peça seja única e traga detalhes das mãos do artesão que a produziu. 

Através de um caminho parecido, recorri à cutelaria para encomedar uma peça que representasse, em sua originalidade, o cuidado, o detalhe, a robustez e força dos elementos empenhados, a dedicação do artesão, simbolicamente, como minhas entregas de reconhecimento do sentimento que nutro.

Que essa peça represente a força, a resistência e o reconhecimento de uma amizade que carrega os mesmos elementos. 

Um brinde à amizade, à resistência da amizade! 









domingo, 29 de março de 2020

Vamos conversar?



A foto é de 2010, lá no início de carreira. Carreira que escolhi porque achava que tinha uma voz aqui dentro que poderia ser usada em favor das pessoas. Queria informar, entreter, esclarecer. Eu estava certo disso e todas as conversas com especialistas, testes vocacionais, gosto pelos livros e assuntos, tudo me levava a admitir que era de fato essa a carreira que queria para a minha vida. E foi uma das decisões mais acertadas que tomei. 

Mas queria fazer um desabafo, se me permitem. Emitiram uma ordem de caça às bruxas contra nós. De uma hora para outra, nosso trabalho começou a ser desqualificado, nossas intenções desvirtuadas e nossa atuação rebaixada com xingamentos e desqualificações que eu jamais seria capaz de pronunciar contra qualquer profissional, por respeito ao seu ofício. Por que? 

Por que de repente uma classe de trabalhadores presente nas decisões mais importantes desse país, de eleições a destituições, de crimes mirabolantes à rotina diária de violência nas periferias, do esporte ao carnaval, passou a ser hostilizada e reduzida a posições ideológicas-políticas, como se tudo que disséssemos fosse contra um e à favor de outro. Por que? 

Os ataques contra jornalistas nos grupos de WhatsApp e mídias sociais encarceram os debates. E esse rebaixamento é institucional porque em praticamente todas as falas do presidente e de seus subalternos, catequizam as pessoas contra nosso trabalho. 

Uma rede de comunicação que só fala o que o governo quer ouvir só acontece em países onde o estado controla a mídia, como Cuba, Irã ou Coreia do Norte por exemplo. Isso é censura, o maior ataque possível à democracia, segundo especialistas. 

Certa vez tive alguns dados sequestrados por um ataque virtual e logo liguei para um amigo da área de TI. Dúvida sobre medicamento, na hora aciono aquele amigo farmacêutico, e me consulto até por telefone com o amigo médico, mas nós jornalistas não temos mais o respeito técnico de anos de estudos. Qualquer posição de fala entra em competição nas redes sociais, contra qualquer fala de um jornalista. 

De repente, mais do que dar opiniões (isso é legítimo), somos confrontados por convicções de pessoas que de uma hora para outra se tornaram experts e especialistas em direito, política, antropologia, ciências sociais, infectologia, em comunicação… E me pergunto onde adquiriram em tempo recorde, com pouca leitura (ler a obra de um ou dois teóricos de cada uma dessas carreiras levaria anos), e sem se referenciar pelos noticiários todos “comprometidos”, tamanho conhecimento. De onde vem tanta convicção, tanta certeza, tanto conhecimento? 

Onde está o erro? 

Hoje temos em média 40 canais nacionais abertos (e dezenas de canais fechados) que empregam milhares de profissionais sérios, competentes, qualificados, que se dedicam à suas carreiras. A produção de conteúdo (TV) emprega milhares de trabalhadores numa cadeia de geração de empregos que além do fundamento econômico (as TVs não-públicas têm finalidade de lucro), garante o entretenimento dos brasileiros com participação importante na vida destes que estão entre os maiores consumidores de conteúdo de TV do mundo. 

O que deve acontecer? Não sei! 

Os tempos no mundo e principalmente aqui no Brasil ainda são obscuros. Mas queria fazer um convite à reflexão: Você, profissional que estudou, que investiu tempo, dinheiro e horas de sono na construção da sua carreira, faça um exercício imaginando que de repente você acorda de manhã e vê o mundo e os grupos de whatsapp de amigos e da família, rebaixando e desqualificando aquilo que lhe foi tão duro conquistar? 

Se coloque no lugar do outro. Sendo assim, fale contra um ou outro profissional, contra uma ou outra opinião mas não coloque tudo no mesmo saco e não promova esse ódio contra uma classe, uma emissora. Ser tão reducionista é um pensamento medíocre diante de um momento que exige de nós, inteligência. E uma dica: Exercite o senso crítico e convide um jornalista para conversar. Eu por exemplo, sempre estarei aqui disponível. 

sábado, 25 de janeiro de 2020

O que podemos fazer por nós, hoje?


Ninguém sabe quando é sua última chance. Ninguém sabe muito bem quando começa e nem quando termina uma oportunidade. Sempre haverá alguma falta, algum pesar, alguma reclamação. Pode ser que queixar-se seja uma forma de não parar, de se indignar, de não estagnar. Pense em alguém que não se queixa, que não reclama! Como deve ser chata a vida de um conformado. 

Mas em contrapartida, como deve ser pesada a vida de um insatisfeito por natureza.

O fato é que precisamos enxergar o que temos e ser grato pelo dia e pelas oportunidades que nos foram dadas hoje. Falando em hoje, a essa hora num dia de hoje de 2019, 259 pessoas perdiam suas vidas, num dia de trabalho qualquer. 259 pessoas que não puderam se despedir, não puderam dar o último beijo no filho ou na esposa, que não puderam perdoar e ser perdoado. Pessoas que não puderam dar e nem receber nenhum desses presentes. Foram arrastadas por um mar de lama, corpos e histórias. E se a alguma dessas pessoas fosse dado mais uma oportunidade? Como seria conduzida a vida de alguém que teve mais uma chance? 

Estamos tendo novas chances todos os dias. Atravessamos ruas alagados, saímos para trabalhar todos os dias e voltamos, voltamos da anestesia, recebemos alta do hospital, a 381 (rodovia da morte) várias vezes ao ano e chegamos ao nosso destino. Nosso coração segue batendo, apesar da dor, apesar da rejeição, apesar de às vezes termos tido negado um perdão, uma oportunidade, uma chance. Somos sobreviventes de um milhão de potenciais catástrofes que a vida coloca em nossa conta todos os dias. E o que fazemos com uma nova chance de viver sempre que voltamos para casa e abrimos os olhos de manhã?

O que podemos fazer por nós, hoje?

Sermos gratos ao presente diário que é estar vivo e não perder a oportunidade de celebrar a vida a cada segundo. Abrace, beije, diga que ama, perdoe, estenda a mão, se faça presente, de presente. Chame para aquela cerveja, aquele café, para aquela convivência. 
Pense na chance, que pode ser a última, que lhe dada todos os dias, de ser uma pessoa melhor para os outros e para você mesmo. 

terça-feira, 1 de maio de 2018

Não deixe o texto morrer


[Eu, como me vejo quando estou escrevendo]

O motivo pelo qual resolvi voltar a escrever aqui é pensar no quanto escrever em um blog nos dias de hoje pode ser um ato de resistência. E quero resistir. Resistir à forma superficial e prática como as pessoas tem tratado as informações e através delas, os sentimentos, nos últimos tempos. Tá bom, confesso que pode ser exagero, mas pode ser também incômodo com essa coisa de não pararmos mais para escrever e menos ainda para ler. As ideias, as emoções e o desenrolar de uma teoria não rende mais que 3 linhas no facebook. Eu que me recuso a ser resumido em meia dúzia de emotions no whatsapp sou considerado "o cara do textão". Ninguém tem mais paciência para ouvir o outro, como se de uma hora para outra a opinião do outro não fizesse mais sentido porque nos tornamos auto-suficientes e nossa opinião "legítima" nos faz dar um dane-se para o que o outro tem a dizer. Preguiça da falta de paciência. Falta de paciência da preguiça. As pessoas não têm mais paciência para ouvir.

E assim, em épocas de muita certeza e de muitas convicções, pode ser que um espaço de troca de ideias faça algum sentido em um mundo onde as pessoas só querem estar certos e não fazem mais questão de trocar ideias. E nisso ressuscitei esse lugar como um espaço de discussões e de desabafo, um lugar de possibilidades diante de um universo de tantas certezas. A começar por esse assunto que trata da nova forma de nos comunicarmos. Como estamos breves, rasos, ofensivos. Como as mídias sociais nos deixaram mais fortes, mais bonitos, mais ricos, mais agressivos e mais intolerantes. Basta que alguém não concorde com uma posição ou que postemos algo do qual alguém não concorde, para sermos metralhados de acusações e ofensas. Vivemos a todo momento sofrendo uma tentativa de doutrinação por parte de quem pensa diferente de nós. 

E o que fazer? Talvez filtrar, se tivermos uma cabeça boa para não abandonar de vez esse mundo fake. Filtrar um pouco a quem seguir, a quem ouvir e principalmente sobre quem comentar. O problema de nos envolvermos numa discussão polêmica-virtual é que às vezes o espaço e a forma de expressão (escrita virtual) pode não ajudar na hora de elaborarmos nossas defesas e podemos ser mal interpretados. Nesse ponto a internet ainda não conseguiu competir com a vida real, ou seja, defender um ponto de vista "na lata" é bem mais heróico, consistente e convincente.

Mas por hora é isso. A ideia era apenas pensar um pouco sobre facebook, whatsapp, blog, textão, textinho, texto raso, texto profundo. Pensar no quanto perdemos de crescer e evoluir quando evitamos o papo, a troca de ideias. Certo? E se uma coisa não precisasse substituir a outra? E se fosse possível continuar por aqui no blog mas também por lá, no face, insta e whatsapp. Mas mais por aqui, de preferência.

Para fechar, um trecho do Pessoa, que particularmente gosto muito. 


Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. (...) Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso. 
Fernando Pessoa


domingo, 17 de janeiro de 2016

À partir do tempo ser, foi-se


As coisas são, e quando se vê, não são mais. 
A necessidade de o tempo passar, de o dia transgredir, de a superação acontecer, leva com pressa o momento, coisa que não volta, que não volta porque não existe mais, 
à partir do tempo "ser", foi-se.
Lembrança. Lastro do que ficou em nós, e amostra do que foi. 
Não tem de volta, mas abastece. Lembrança é uma esmola do que foi. Uma migalha para saciar uma fissura sem tamanho, sem condição de dar conta.
E se volta? É outra coisa. Cópia barata do que foi. O verbo tem seu tempo, e não perdoa o que não é. Fica o que foi.
Ano, meses, semanas, dias. Talvez ainda ontem tenha sido aquela prece de bem querer. 
Talvez ainda ontem a promessa de quem não tinha tanta fé, mas arranjou. 
Talvez ontem a promessa de se eternizar em algumas vidas. A poesia produz tantos ingênuos.
E o tempo de poesia acabou. Engole o choro, apruma o corpo e segue. De vez em quando lhe é permito ouvir "Ouro de tolo" e se emocionar, contidamente, discretamente. Lhe é permitido ser, existir já é querer demais. Coloque-se no seu lugar. 






quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Feliz Livro Novo!


Me despeço de 2015. Um ano difícil, com muitos desafios, alguns dos quais não consegui vencer. Quanto mais o tempo passa mais me dou conta de que a vida é uma eterna re-significação. De tempo em tempo é preciso mudar o foco, mudar o caminho, trocar o time, virar a mesa. Algo parecido com a teoria do caos. São nos momentos mais difíceis que as coisas mudam, que novas possibilidades surgem. A bagunça que toma conta da nossa vida às vezes antecede uma virada, motiva a procura por uma saída urgentemente necessária.

Entre promessas e simpatias, o fato é que 2015 ensinou muita coisa. A perda do meu avô ensinou que o que fica quando partimos é o que construímos ao longo da vida. A instabilidade econômica e política que o país atravessa ensinou que é preciso poupar e que o cenário da política nacional é péssimo. A distância de alguns amigos ensinou que grandes amizades também podem ser frágeis, ou então que podiam nem ser tão grandes assim. E teve muitos outros ensinamentos que verdadeiramente fizeram de mim uma pessoa melhor. 

E assim, depois da análise de 2015 é preciso repensar. Repensar a gestão dos recursos financeiros, a equipe, a energia (tanto as fontes de descarga quanto as de recarga), os planos simples, os planos mais complexos e audaciosos, o planos que não estão nos planos. Há momentos em que o plano é não ter planos. É preciso repensar nosso papel no mundo. 

E para 2016 não quero muito. Quero o que me cabe. Também não tecerei uma lista interminável de metas a cumprir. Para mim, esse ano é de simplicidade. Quero pouco que me seja suficiente, para depois pensar no depois. Então peço disciplina, discernimento e sabedoria. É preciso manter as gavetas arrumadas e a agenda em dia. É preciso acordar cedo para o dia render mais. É preciso saber dizer não e recusar trabalho. É preciso voltar cedo para casa, em tempo de se jogar no sofá. É preciso ter em si mesmo um grande aliado, na verdade o maior deles.

Que venha então um ano novinho, cheio de possibilidades. Um livro em branco que receberá nossa melhor história, contada da melhor maneira. Aguardo ansioso por esse que será um dos melhores anos da minha vida.

Feliz Livro Novo!


quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Da série "Não deixe o blog morrer", esse sou eu


"Sou pessoa de dentro pra fora. Minha beleza está na minha essência e no meu caráter. Acredito em sonhos, não em utopia. Mas quando sonho, sonho alto. Estou aqui é pra viver, cair, aprender, levantar e seguir em frente. Sou isso hoje... Amanhã, já me reinventei. Reinvento-me sempre que a vida pede um pouco mais de mim. Não me dôo pela metade, não sou meio amigo e nem quase amor. Ou sou tudo ou sou nada. Sou pessoa de riso fácil... e de choro forte!"

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Jacuri, Coluna, Frei, Semana Santa e outras relevâncias



Foto: Irléia Nunes 

Gostaria de registrar minha passagem por Jacuri, Coluna e Frei Lagronegro nesse feriado. Aproveitei os festejos da Semana Santa para prestigiar as atividades católicas/culturais de Jacuri, e fiquei muito feliz ao ver o comprometimento do pessoal com todos os preparativos das comemorações. 

O que mais me chamou atenção foram os enfeites da rua do cemitério. Confesso que não sei exatamente como a rua se chama, e até perguntei a alguns jacurienses da gema que também não souberam me dizer, então, se me permitem, vou chamar carinhosamente e respeitosamente aqui como aprendi desde criança: Parabéns aos moradores da Rua do Cemitério, que enfeitaram com arcos de bambu e pintaram a rua e o meio-fio para receber os cortejos da procissão do enterro, uma forte tradição jacuriense. Senti falta de alguns labardeiros* tradicionais, de algumas vozes ecoantes na oração do terço e da entrega das pessoas se propondo colocar vasos e colchas (de cama) nas janelas para a procissão de domingo de páscoa, mas acredito que aos poucos vamos conseguindo reacender nossas tradições e conscientizar as pessoas da importâncias da preservação da nossa cultura. Não podemos, como dizia uma amiga jacuriense que não está mais entre nós, "deixar o povo esmurecer." 

Aproveito também para registrar minha satisfação com uma visita à célebre terra do grande Carlos Herculano, Coluna, onde pude conhecer pessoas maravilhosas, com quem passei uma tarde inteira falando de projetos, de cultura, do povo, da região... só assuntos elevadores. Tinha ido me integrar ao grupo de incentivadores e doadores da criação de bibliotecas em comunidades rurais de Coluna, um projeto promovido pelo Carlos Herculano e pela educadora Rosimara Trindade. Também pude prestigiar meu amigo Marcelo Coelho num show na Cavalgada Feminina de Frei Lagronegro. Fui muito bem recebido depois de mais de 15 anos sem ir à antiga "Bom Sucesso". Em resumo, meu final de semana em Jacuri e região fortaleceu ainda mais minha participação ativa na busca não mais e apenas, por uma Jacuri melhor, mas por uma região melhor. De volta, na mala, saudade, banana verde, queijo, poeira e um pouco mais de esperança.

*Labardeiros são homens vestidos de soldados romanos e na procissão representam os soldados que conduziram e sacrificaram Jesus. Eles trazem lanças ornamentadas com papel crepon e faziam uma coreografia combinada com uma música fúnebre orquestrada. Geralmente as crianças de Jacuri têm medo desses personagens e cresceram os chamando de "capeta" uma alusão à figura horrível de quem teria sacrificado Jesus. 

sexta-feira, 13 de março de 2015

Santo de casa deixa de fazer milagres



Desde cedo fui um sujeito social. Em minha primeira participação conscientemente social eu devia ter cerca de 4 anos, em um Festival de Pipoca. Era um evento de grande significância, que não mais era que uma convenção onde havia música agradavelmente alta, se servia pipoca salgada e um copo de "Ki Suco", podendo repetir à vontade. A iniciativa era para venda de ingresso e consequente arrecadação de dinheiro para formatura de alunos.  

Depois me integrei ao grupo de crianças comandados por uma das pessoas mais espetaculares que conheci na vida: Dona Maria Erdutes. Foi minha professora de catecismo e de lá fui para o coral infantil que cantava e organizava a missa das crianças. Fazíamos "jograis" com passagens evangélicas, termo que muitos nem deve conhecer. Era uma espécie de teatrinho, mas só com texto lido, sem figurino. 

Compus a "equipe do anjo", onde sempre às 18h, rezávamos a oração católica chamada pomposamente de Angellus, reproduzida para a cidade inteira no auto-falante da torre da igreja. Era um ritual que não falhava nunca, fizesse chuva, sol ou muita chuva. 

No grupo (escolar) participei de todos os eventos propostos. Eram famosas as gincanas da semana da criança. Já fui Tiradentes, soldado e até árvore quando não deixávamos passar em branco uma só data comemorativa do calendário cívico. Ajudei a cuidar da horta da escola.

Na igreja fazíamos peças teatrais das principais datas do calendário católico, como Natal, páscoa e outras. Todo ano era apóstolo na procissão do enterro na sexta-feira da paixão e na procissão de domingo de ramos ou do Divino. 

Fui aluno da primeira escolinha de futebol de Jacuri, que nem chamava escolinha, na época promovida pelo Zé Cláudio e Dininho e depois pelo Fisico. Nessa época  aconteceu o maior campeonato mirim da cidade, com vários times, quando defendi ao lado de grandes craques locais, o Atalanta. Nessa época conheci várias cidade da região, jogando, disputando campeonatos na categoria de "terceiro quadro". 

Participei de várias coroações, evento onde vestíamos de branco e entoávamos uma música rigorosamente decorada, semi suspensos no alto ao lado da imagem de nossa senhora.  

Participei dos saudosos desfiles de 7 de setembro, comandado um sujeito extraordinário, "bravo" e encantador, militar, Sr. Wallace. Aprendi sobre disciplina com ele.

Freqüentei os carnavais nas matinês do clube. 

No ensino médio, encenamos o Auto da Barca do Inferno, um clássico de Gil Vicente. 

Fui integrante do grupo de jovens, o J.A.C, onde compunha o coral do grupo, inclusive se apresentando em várias cidades da região. 

No ensino médio fui do time de vôlei. Competimos em cidades de mais de 100  quilômetros de raio de distância. 

Ganhei um prêmio de literatura que me presenteou com um passeio e vôo num avião da esquadrilha da fumaça, em Lagoa Santa. 

Acompanhei o time de futebol de Jacuri nos campeonatos regionais de futebol em diversas cidades da região, como torcedor assíduo e atuante. 

Socialmente, me envolvi em todos os eventos da cidade, que promoviam a cultura local, que propunham a preservação de nossa cultura e de nossos costumes. Contribuí, como muita gente espalhada por aí, fez.

Mas o fato que ilustra o título dessa postagem é que continuei sendo um ser social, contribuinte com todas as questões que já fazia desde muito novo, mas agora em outras freguesias.

Me vi desenvolvendo, a convite, um trabalho sensacional de oficina de cinema com adolescente carentes em Caeté, projeto me rendeu grande reconhecimento local. 

Desenvolvi trabalhos muito enriquecedores em Machado e Pouso Alegre, no sul de Minas, e a um ano trabalho com um projeto de Comunicação em Saúde nas secretarias de saúde de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim. Em Conceição, pude trabalhar na criação de um jornal exclusivo da saúde que chega esse mês à segunda edição e ver um grupo de artesãs de tapetes arraiolos revitalizando a prática de "fazer tapetes" e produzindo peças para exportação.

Mas onde quero chegar? Hoje foi um dia muito importante para mim, de muita alegria e confesso que de um pouco de... digamos que reflexão. Fui convidado para participar da Conferência Municipal de Saúde de Conceição do Mato Dentro, que discutiu esse ano a promoção à saúde, a atenção integral e a atenção primária. Às vésperas de completar um ano atuando nesses municípios, pude acompanhar dados, metas, processos, estratégias, projetos, prêmios conquistados e sempre me vinha à cabeça como seria se toda aquela energia que via em mim e em profissionais com quem tive a honra de lidar, pudesse ao menos em parte, ser pensada para minha querida cidade. Quase me senti um traidor em pensar que minha primeira participação em uma conferência de saúde não fosse em minha cidade. E digo isso sem partidarismo ou conotação política, visto que para quem não sabe, uma conferência de saúde é um evento democrático e aberto à população, onde todos podem contribuir para a melhoria da saúde. Mas eu nunca contribui lá, embora tenha me entregado bastante à outras comunidades. Isso me deixou pesaroso. 

Enfim, se me fiz entender, esse é só um desabafo. Fico imaginando quantas pessoas que não moram mais em Jacuri e poderiam colaborar de certa forma com o desenvolvimento local, aplicando lá, práticas e experiências positivas dentro de cada conhecimento. As escolas fecham as portas para o ex alunos, a administração pública não propõe diálogo e aproximação com esses agregadores, a sociedade abre mão de talentos natos do lugar. Acredito haver questões que desconheço o teor mas sou capaz de dizer que fogem completamente ao que seria interessante para todos nós: uma sociedade melhor. Fico imaginando uma conferência de saúde, por exemplo, com a participação de médicos jacurienses convidados, já que temos vários, que mesmo não atuando profissionalmente na cidade, poderiam colaborar por conhecer a realidade do lugar. 

Bom, sigo acreditando no que disse Paulo Freire: 'Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo'. E eu tento fazer minha parte. 

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O que era raro ficou comum

Eu que nunca tiro férias, que nunca páro... me vi em movimento com o corpo e a alma nos últimos dias. Longe do automatismo costumeiro, vi minha segurança, minhas certezas, meus planejamentos, meus exames clínicos fazerem uma verdadeira revolução na minha rotina. Uma vida tão automática me levou a pensar se realmente precisaria de mim para vivê-la. A sensação que tive que bastava abrir os olhos, levantar da cama, fazer uma refeição aqui outra alí e pronto, já estaria vivendo. Confortavelmente. 

Mas precisou de um médico me alarmar com uma cirurgia de hérnia e tudo mudar. Muito medo de todos os elementos estranhos que inauguravam esse ano tão novo: exames complexos, risco cirúrgico, repouso, não pode subir escadas, repouso, não pode dirigir, filme, livros, filmes, filmes, livros e livros, cama, além da proibição de outros prazeres deliciosos. 

A cirurgia foi um sucesso e a recuperação vai bem, apesar das dores que segundo o médico, são normais. Depois de 3 dias em casa, já assisti a duas temporadas de uma série americana que não saia do primeiro episódio, 5 filmes, um livro de 220 páginas e várias revistas. Sem falar no tempo para fazer planos, assistir a algumas palestras do TEDx, rascunhar coisas... 

Entre os filmes, "Perfume de Mulher" foi dos mais "porrada", principalmente porque lida com um tema que sempre me intrigou: a velhice. A cena do Al Paccino dançando tango com a atriz Gabrielle Anwar é sensacional e faz pensar que pode não haver tanto problema em ficar velho, desde que se consiga dançar aquele tango.

No mais, esses dias de recuperação tem sido dias de encontro com alguém que andava meio esquecido, sumido. E nessa de recuperar sensações, eis que até o blog ganhou texto.  

E entre um milhão de coisas que se sente e não se escreve, ficam para esses dias, a presença de quem é insubstituível, a doçura divinal que é ter a mãe por perto, o medo da fragilidade da vida, a solidão diante da própria presença, o ópio que é descortinar a vida através de bons filmes e bons livros, a falta que alguns prazeres nos causam.

No mais, é não voltar para o lugar médio e comum do automatismo. Enquanto isso, um brinde ao melhor da vida: viver. 
"E tudo ficou tão claro
O que era raro ficou comum
Como um dia depois do outro
Como um dia, um dia comum"
( Somos quem podemo ser - Engenheiros do Hawaii)

Cena de que falei, do filme "Perfume de Mulher".