Páginas

domingo, 18 de agosto de 2013

Saudade das mesmas coisas e pessoas

Foto: Beretta
Sabe quando você questiona sua própria razão de estar na hora certa em lugares quase errados? Sabe quando o mundo adequado a você, pessoa inadequada, não te dá muita chance de escolha? Sabe quando o lugar errado pode ser certo porque há nele motivos e pessoas para te alegrar?


A vida continua como um filme com final quase previsível: você cada vez mais certo do que te deixa feliz, mas e então... qual é o problema? O mal de se passar dos 30 é que você já consegue prevê o final de uma noite cheia de promessas: a saudade é sempre das mesmas coisas e das mesmas pessoas. 

Já que é assim, então para quê os riscos? Para quê a noite perdida de sono se quem pode saciar suas vontades e afagar seus cabelos deve estar agora sonhando sonhos puros?


Há algo de impuro na noitada que também atrai puros e onde impuros não precisam de esforço para se sentir  em casa. 



Temo que meu hábitat seja mesmo qualquer lugar onde eu esteja em boa companhia, ou mesmo sozinho, mas com algo para comer e uma cama que me proporcione um sono de justo. Mas vale a pena (?) o esforço das pernas pedindo assento e da cabeça pedindo travesseiro porque o destino costuma ser mais generoso com quem não fica em casa dormindo antes das onze. A vida acontece para quem não dorme bem. Insônia é oportunidade, uma salvação.


Mas então a vida se repete, é isso? 


Pode ser que sim. E seria essa a chance de acertarmos, embora o erro sobreponha todas as expectativas de qualquer racionalidade ou estatística se o sujeito praticante da ação não enxergar um palmo à frente do nariz e for um teimoso inveterado. (bingo!)


Mas nem sempre tudo está perdido. A salvação pode chegar a qualquer momento e é nessa esperança que os dias se agarram. Qualquer agrura da vida fica mais suportável quando se divide o peso. Mesmo que dure um tempo o suficiente para existir, apenas, sempre haverá a chance de alguém nos salvar da noite. Sim, ela pode ser uma farsa (a noite).


E tudo pode acontecer para quem corre os riscos... até mesmo alguém cair do céu no seu colo... Aí mudam-se os planos, os ares, a razão. 

Talvez a noite seja apenas uma procura por algo que pode não estar nela. E mesmo assim ainda há quem encontre.  

E já que o assunto é noite, transcrevo um dos meus poemas preferidos de Drummond, "A Bruxa":

A Bruxa
Carlos Drummond de Andrade
Nesta cidade do Rio
De dois milhões de habitantes
Estou sozinho no quarto
Estou sozinho na América.

Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
Anunciou vida a meu lado.
Certo não é vida humana,
Mas é vida. E sinto a Bruxa
Presa na zona de luz.

De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
Desses calados, distantes,
Que lêem verso de Horácio
Mas secretamente influem
Na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
E a essa hora tardia
Como procurar amigo?

E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
Que entrasse nesse minuto,
Recebesse esse carinho
Salvasse do aniquilamento
Um minuto e um carinho loucos
Que tenho para oferecer.

Em dois milhões de habitantes
Quantas mulheres prováveis
Interrogam-se no espelho
Medindo o tempo perdido
Até que venha a manhã
Trazer leite, jornal, calma.
Porém a essa hora vazia
Como descobrir mulher?

Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
Conheço vozes de bichos,
Sei os beijos mais violentos,
Viajei, briguei, aprendi
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras

Mas se tento comunicar-me,
O que há é apenas a noite
E uma espantosa solidão

Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
Querendo romper a noite
Não é simplesmente a Bruxa.
É antes a confidência
Exalando-se de um homem.


Nenhum comentário: