Quero escrever por que tem um mundo, uma ebulição de sentimentos intraduzíveis aqui comigo e penso que se não escrever eles explodem. E eu posso ir junto.
Outro dia foi meu aniversário. Foi triste. Não, claro que é ótimo comemorar mais um ano de vida, ainda mais rodeado de pessoas queridas, mas me vi triste com medo do gato. O gato aparece nos meus sonhos quando me vejo sozinho ao lado de um siamês preguiçoso num apartamento de andar alto, de onde talvez minha maior ocupação seja tentar escrever ou imaginar o dia-a-dia das pessoas que avisto da janela.
O gato me persegue. Sofro de uma solidão de velhice sem idade. Acho que sofro de um envelhecimento crônico psicológico. Talvez devesse voltar para a terapia.
(bolero, vinho, charuto, música velha, clássicos da literatura, cinema antigo, velhos amigos que não aqui, solidão)
E se envelhecer fosse uma escolha? Um refúgio do medo de envelhecer?
A dois dias sonhei que caminhava por um caminho longo, meio feio, meio bonito, meio indecifrável. Era uma caminhada boa. Triste e boa, e as pessoas iam passando por mim, pessoas a quem eu dediquei vida, sono, amores, prazeres. As pessoas iam sumindo e dando lugar a cenas de cinema, de teatro, de jogo de futebol em preto e branco, de fotografias, de mapas, navios, uma cama de casal com dossal, eu vestido de noivo. Achei que fosse morte isso. Que fosse o tal filme da vida que dizem que se passa quando estamos numa experiência de pré-morte. No dia seguinte caiu a ficha que era apenas alucinação de quem havia tomado uma garrafa de vinho inteira sozinho na noite anterior. Quebrei a taça e cortei o pé. Dormi impressionado com a quantidade de sangue no tapete e o pesadelo talvez devesse ter vindo daí.
Então quero escrever. Quero escrever por que se não for assim, como será? Pouco provável que essas lamúrias fossem compartilhadas numa mesa de bar com os amigos. Acho que preciso de mais momentos com eles. E comigo mesmo também. Ultimamente minha vida tem sido só trabalho. Tudo automático. Acordar, comer, dormir, acordar, comer, se cansar.
Quero escrever também por que falando em amigos, eles tem rareado. Não em número mas em testemunho. Ouvi uma vez de um grande professor que os melhores amigos são os que nos testemunham, os que provam verbalmente ou ocularmente nossos males e nossas glórias. Acho que tenho escondido minhas lamúrias de quem a pudesse testemunhar.
Quero escrever também por que estou cansado. Cansado de fazer pouco porque tem sempre alguém que não puxa comigo a corda desse cabo de guerra que é meu trabalho, que é a manutenção da casa, que é o projeto dos meus sonhos, que é um roteiro novo, que é a vida. Cansado da falta de coragem de não jogar tudo para o alto e ir, sumir, recomeçar noutro lugar, outros desafios e algumas novas pessoas, por que não, como fiz heroicamente noutras oportunidades. Cansado de ter que ser legal, boa pessoa. Cansado de trocar minha arte pelas etiquetas, protocolos, trocas de favores. Cansado por que preciso de sinceridade. Não dos outros, mas minha.
Hoje quis escrever por que na verdade estou muito feliz. Sei que não parece (e mesmo não parecendo), coisas maravilhosas tem me acontecido. A melhor delas é que aprendi a me emocionar de verdade. Tinha medo de nunca chorar por que até então nunca tinha me acontecido. Acho que as primeiras lágrimas a gente nunca esquece e a pouco chorei um rio delas. Por que temos vergonha de chorar? Acho tão digno. Pretendo chorar quando der vontade a partir de agora.
Um dia foi diagnosticado por um oftalmologista que eu não tinha lágrimas e por isso não chorava. Me foi receitado um colírio. Tentei me adaptar. Quando estava por me emocionar, pingava uma gota daquela lágrima artificial e tentava me livrar da culpa daquele gesto mentiroso. Minha rejeição ao medicamente foi além de não querer usá-lo e acabou que o médico suspendeu por que segundo ele, o medicamento aumentava minha pressão ocular. Passaria a chorar mas logo logo ficaria cego. Depois disso não chorei mais. Nem artificialmente.
E essa semana chorei. Devo estar curado. Pelo menos, se não estiver curado, estou emocionado.
A pouco liguei para a mãe de um amigo que tem câncer (a mãe). Desliguei e chorei para celebrar a saúde da minha (mãe). Agora é assim, também choro para celebrar. Mas por enquanto ainda não choro em público. Uma coisa de cada vez.
Ao som de uma música que é ouvir e chorar.
2 comentários:
No ato o fato, é pá pum, viver simplesmente, e tão mais difícil, porque será, medo, angústia, vergonha talvez, não sabemos, muito menos sabemos se vivemos do certo modo.
Para nós esse é o certo modo, o agora é viver, e não há como contrariar.
Bonito é viver, e mais bonito ainda é enxergar esse bonito modo de viver, grande abraço e belo texto... você é fruto do seu plantio de sucesso meu irmão...
Sem palavras... *-*
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