Não, não esperava que fosse fácil, mas ao contrário, estava até preparado para alguns problemas que certamente teria. A falta de grana era apenas um deles. Houve dia que faltou o da passagem. O do lanche quase nunca houve.
Imaginou encontrar pessoas que lessem bem, respeitando as vírgulas e as “meia-pausas” dos ponto e vírgulas, que impostassem a voz como os colegas das aulas de teatro e que lessem autores que ele nunca tinha lido.
Imaginou pessoas que voltassem depois de dias de sumiço, contando das viagens mais malucas, trazendo pendrives carregados de fotos de ótima resolução. Não necessariamente lugares caros e babacas mas quem sabe até experiências de convivência com uma tribo de índios em Carmésia. Porque achava que essa coisa de “descobridor de mundos” não custasse caro e que essa exploração dependesse muito mais de uma questão de sacação desse (nosso) mesmo mundo que de capital financeiro acumulado. Alguém que soubesse quem é o ministro do Desenvolvimento e se existe um ministro de Desenvolvimento.
Imaginou encontrar quem lesse O Globo, com quem pudesse comentar a crônica da Martha Medeiros na Revista de domingo, que frequentasse os cafés mais badalados da cidade, mesmo que apenas para tomar um café. Que fosse companheiro para um chope ou um drink quando a ocasião exigisse mais requinte, que lhe indicasse bons livros e lhe tomassem emprestados os seus que acumulam poeira na estante.
Alguém para dividir papos machistas ou de quem pudesse ouvir sobre feminismo. Alguém de quem pudesse ganhar de presente um poema ou para quem pudesse pintar uma tela.
Procurara quem pudesse frequentar sua casa e dividir um arroz de ontem com ovo frito enquanto um trabalho ficasse pronto. Alguém que pudesse operar uma câmera para aquele piloto ou que pudesse ser dirigido num vídeo que iria bombar no youtube. Alguém que pudesse se tornar amigo. Essa idéia o enchia de ânimo. Na verdade, esperava que fossem vários de quem se tornaria amigo.
Alguém que estivesse à frente de uma grande empresa de comunicação de quem poderia pesar a recomendação na seleção para aquela vaga tão bacana de estágio. Alguém para viajar, levar para conhecer Jacuri, dividir um projeto, uma grana, um sonho.
E ainda, como se não bastasse, imaginara professores bilingues, trilingues, doutores, de quem pudesse ouvir sobre Freud ou Madame Bovary. Alguns que pudesse dá-lo a certeza de que estaria no lugar certo e que fariam dele um jornalista muito competente.
Biblioteca com Hemingway e Gay Talese em inglês, estúdio com boas câmeras para projetos. E quisera até montar um espetáculo. Teatro?
Não foi nada disso e muito mais que isso. Colegas com quem mal trocara palavras ao longo do curso, outros que se fizeram de melhores amigos de uma única estação de dias não “completados”, outros com quem não pôde dividir nem um trabalho em dupla quanto mais um projeto ou um sonho. Pessoas que, sem que ele soubesse o motivo, escolheram estar do outro lado. Tudo bem porque só mesmo a pouco mesmo foi que descobrira que ele estava do lado certo.
Deixara de fazer muita coisa que gostaria de ter feito. Pelo menos desde o início sabia que o trabalho exigiria ser em equipe e logo foi pensando no que fazer se ele não tivesse uma. E assim reunira “de fora” quem pudesse comprar seus sonhos.
E compensara. Tudo compensara porque...
Porque aprendeu. Foi com ele mesmo o que queria que as pessoas fossem. Leu bons livros em português com indicação do Google, montou sim um espetáculo, gravou com a câmera no tripé, sem operador, pintou uma tela e deu de presente, ganhou um poema e ainda uma estátua de alguém que acreditou nele nem que fosse por uns dias. Foi a cafés, fez viagens malucas, até mochilão pela América Latina. Conseguiu estágio sem indicação, fez trabalhos de grupo sozinho quando foi possível, e se teve professor que o enganou, também teve quem foi para a França e lhe trouxe um jornal de lá, e ainda professor que lançou livro indicado a prêmio, e de quem pode se dizer que se tornou amigo. Teve professor que ele tomou emprestado de outro curso para eleger como mestre. É, de lá tirou amigo sim. Poucos mas que valem pela intensidade. Diria que tirou de lá até a mulher da sua vida.
Não encontrou ninguém que lhe indicasse para uma vaga de emprego mas hoje está recebendo currículos.
E nisso se tornou o profissional que é, até mesmo antes de se formar. Hoje ele agradece a quem facilitou sua vida, a quem o colocou num trabalho sem que ele o tivesse feito, a quem lhe pagou um pão com manteiga na padaria da Espirito Santo, mas sobretudo, ele é grato a quem não esteve do seu lado, por que com esses aprendeu a como não proceder. A esses ele deseja sorte. A todos os outros ele deseja sucesso!
Hoje ele é um jornalista formado e muito feliz com a profissão.
7 comentários:
Que lindo, meu amigo!!!
E quem foi mesmo que disse que não sabia mais escrever, heim??? Hum!
Continua me fazendo chorar...
A você eu desejo SUCESSO! Sempre, sempre...
Beijos...
Que bom que você viveu esta fase da sua vida da maneira que você queria e às vezes não queria...mas o importante é que viveu, ah, e me parece que foi intensamente! = D Sucesso pra ti, Nélio! bjs
Bom ler seus textos Nélio.
Sempre quando posso dou um "bizú" no seu blog. Olhei de longe e pensei: nossa, texto grande! Quando começei não queria mais parar e quando parei, pensei: acabou? Ansioso pelo próximo.
Meu caro, suas palavras trazem poesia, verdade e vida de uma alma carregada de emoção.
Abraço saudoso.
Estou Precisando que vc entre em você fazê-lo. Por favor, entre emcontato comigo, mas não há meios de contato, ok ? É URGENTE! :-P
: )
Nelio,
Gostaria apenas que se atentasse aos porquês.
Obviamente isso é apenas um detalhe em relação ao seu talento da escrita.
"Por que aprendeu." Seria "porque aprendeu".
É apenas uma crítica construtiva de alguém que lê seus textos no Artnativa. rs
Sua sensibilidade me impressiona. Portanto, continue escrevendo. Quero ler mais! abraço
Quero agradecer imensamente a pessoa do último comentário. Realmente me atrapalho muito com os porquês (da vida inclusive). Tentei fazer algumas correções e espero ter conseguido. Adorei a dica tá. Me engrandece muito ter quem me ajude com esses detalhes (importantíssimos) da nossa língua.
Obrigado mesmo!
E pintando mais "vacilos", fique (m) à vontade para me pontuar. E claro, obrigado pela visita!
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