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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Belo Horizonte é uma cidade pra se viver à margem

Foto pessoal: Vista da Serra do Curral


Venho falar de destino, de travessia. Venho falar da terceira margem do rio (caminho) de que um dia falou Guimarães (Rosa).

"Ah! Tem uma repetição, que sempre outras vezes em minha vida acontece. Eu atravesso as coisas - e no meio da travessia não vejo!
- Só estava era entretido nas idéias dos lugares de saída e de chegada."

E depois de atravessar, de entender o trocadilho de "terceira margem", "pousei" por aqui, moro em Belo Horizonte. Meus passatempos, por ora provincianos, foram substituídos por "a fazeres" de gente moderna. Cafés, teatros, museus, parques, cinemas.
(O Parque das Mangabeiras tornou-se meu refúgio de mim mesmo).

Me habituei a essa cidade de linhas retas, convergências mil, parelelismos e distâncias equacionadas. Uma cidade que tento, às vezes sem muito sucesso, fazer inédita, e mais ainda tento me fazer inédito dentro dela, fingindo por exemplo, que não estou acostumado com a Praça da Liberdade, embora passe por ela todo santo dia.

Às vezes me perco (e me acho) na simetria e vastidão que é o espaço racionalizado de Belo Horizonte. Pra mim é sempre um mundo sucumbido se reerguendo.

O corredor do meu circuito boêmio-intelectual se faz na rua da Bahia. É ela que me leva aos meus cafés preferidos e me levava ao "pelicano" de cada (e todo) dia, que fechou as portas assim, do nada.

No mais, Belo Horizonte pra mim é descoberta, é garimpagem, é travessia da Contorno para aprender como é que se vive de fato.

A alma de "Rosarita" é viva e a felicidade continua sendo vendida a baixo custo por aqui. Vejo bares se proliferarem, a boêmia (mais vazia, diferente da de Drummond, Pedro Nava, Otto, Roberto Drummond, Sabino, Henriqueta Lisboa, Rubião, França Júnior, Abgar Renault, entre outros) fazendo a festa em outros endereços. Micaretas e baladinhas de sons eletrônicos agitam a cidade.

Depois de um pastel na "Janaína" ou uma lasanha às 5 da manhã no "La Grepia", o país continua o mesmo (o que se há de fazer?).

Me lembrei de um texto de Dostoievski que diz que "o lado podre e torpe da cidade (e seus habitantes) também é desejado, afirmado, em vez de ser julgado". Talvez nisso esteja o encanto e sedução de quem escreve "Belo Horizonte" com uma saudade que eu ainda sentirei.

E lá vamos nós, tocando o bonde e fazendo descobertas. Descobri que Belo Horizonte é uma cidade para se viver à margem. A graça é justamente a invenção de um estilo próprio de vida e com ele, um modo de existência inédito, como quem aqui planta sua raiz, como disse Roberto Said.

"A tudo é exposto
evidente
cintilante. Aqui
obrigam-me a nascer de novo, desarmado."
(Drummond)


Estou aprendendo a viver Belo Horizonte até hoje (e parece que não vou aprender nunca).

Ao som de "Galo e Cruzeiro", de Vander Lee









Um comentário:

Débora Gomes disse...

... e você demora tanto pra postar textos aqui e quando posta, sempre me deixa sem palavras.

...talvez, seja mesmo verdade essa história que contam, que cada um tem um lugar certo pra viver e que a vida, é uma constante busca...

e se a gente olhar bem no fundo dos olhos, vai compreender que alguns momentos, são apenas "de passagem"...

um beijo pra ti.