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terça-feira, 30 de junho de 2009

É assim que se reconhece um amigo


Domingo fui assistir à mostra "Retrospectiva Jean Rouch". Jean foi um cineasta francês que na verdade se formou em engenharia e se titulou doutor em etnologia. Rouch filmou em diversos países, principalmente na África.

Interessante é que quando decidi assistir aos filmes de Jean, embora soubesse que se tratavam de filmes etnográficos, não sabia que assistiria a filmes africanos. Agradável surpresa, já que, como disse no último post, ultimamente tenho mergulhado na cultura afro.

Jean Rouch é considerado um dos ícones do cinema documentário moderno. Na seqüência, assisti à:
- Mammy Water | Mammy Water, filmado por volta de 1953, em Gana. O filme mostra a vida dos pescadores Fanti e a cerimônia em homenagem a Mamy Water, deusa da água, para a abertura da pesca.
- Moro Naba | Moro Naba, filmado em 1957, em Burkina Faso. Mostra a cerimônias do funeral de Moro Naba, chefe tradicional dos Mossi da região de Ouagadougou. A cerimônias é por ocasião da eleição do seu sucessor.
- Saída das noviças em Sakpata | Sortie de novices a Sakpata, filmado em 1959. O filme mostra a iniciação de três noviças, os cavalos dos espíritos, em uma aldeia Vaudoun de Allada, ao sul de Benin.
- Porto Novo: Balé da corte das mulheres do Rei | Porto Novo: Ballet de cour des femmes du roi, filmado em Benin em 1969. O filme apresenta uma análise detalhada da relação entre a dança e a música e mostra o ritual da dança das rainhas no palácio real em Porto Novo.

Achei super interessante a forma como Jean filma. Ele consegue se infiltrar nos rituais, já naquela época, (mil novecentos e cinqüenta, sessenta, por aí) sem interferir na realidade filmada. É como se o objeto de estudo (o termo cabe mais a artigos científicos. Resquícios dos meus estudos de sociologia e antropologia) não notasse a presença do cineasta e menos ainda da câmera. Às vezes os planos são longos e cansativos, mas compensados pela riqueza de detalhes e de informações na composição da cena.

Mas convenhamos, o filme é de interesse (teoricamente) de um nicho bem específico de pessoas. Imaginei que a platéia fosse composta por estudantes de francês (o filme é em francês), de cinema, de ciências sociais ( e de filosofia, talvez) e de namoradinhos adolescentes apaixonados que, na falta de um lugar mais apropriado para se pegarem, foram ver um filme Jean Rouch em preto e branco.

Peraí! E qual desses casos seria o meu?

Eu e meu amigo em Astolfo Dutra - MG

Mas aí então entra o que seria o tema desse post, ou a pessoa a quem o dedico. Se o filme poderia interessar pouco a mim, imagina a um amigo analista de sistemas, pós-graduando em engenharia de software?
Esse sim, é amigo pra todas as horas. Até pra assistir a uma mostra de cinema etnográfico, com áudio em francês, numa sala com ar condicionado desregulado (quente pra caramba), num domingo à noite, depois do jogo do Brasil. Ser amigo pra ir à um churrasco, boca livre, na casa (com piscina) da namorada (cheia de amigas) do amigo, é mole. Amigo é uma coisa. Amigo pra todas as horas é outra bem diferente.

(e fico até com remorso por que o cara ia sair com uma garota - que tem nome de vulcão ou de tornado, não sei bem - ainda por cima)

Fecho fazendo das palavras de Drummond, as minhas palavras:

PRECISA-SE DE UM AMIGO
Não precisa ser homem, basta ser humano, ter sentimentos.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem imprescindível, que seja de segunda mão.

Não é preciso que seja puro, ou todo impuro, mas não deve ser vulgar.

Pode já ter sido enganado ( todos os amigos são enganados).

Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários.

Deve gostar de crianças e lastimar aquelas que não puderam nascer.

Deve amar o próximo e respeitar a dor que todos levam consigo.

Tem que gostar de poesia, dos pássaros, do por do sol e do canto dos ventos.

E seu principal objetivo de ser o de ser amigo.

Precisa-se de um amigo que faça a vida valer a pena, não porque a vida é bela, mas por já se ter um amigo.

Precisa-se de um amigo que nos bata no ombro, sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo.

Precisa-se de um amigo para ter-se a consciência de que ainda se vive.

Carlos Drummond de Andrade


Nelio Souto

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