Páginas

terça-feira, 11 de novembro de 2008

O Reino do Umbigo



Seria pura redundância falar aqui sobre os direitos garantidos às crianças pelo EAC (Estatuto da Criança e do Adolescente), mas que na prática não são respeitados. Mais produtivo seria apontar nossos estudos para outras direções que não sejam simplesmente reclamar da falta de eco da nossa voz que clama por cidadania.

Nossa voz tem clamado?

É fato que sempre há em nós, meros mortais, algo a ser feito, que não seja simples gritos ao além, gritos mudos que não alcançam a quem deveriam. É preciso que sejamos bem mais que apenas bonzinhos afinal, somos parte ativa da sociedade, ou pelo menos deveríamos ser e convenhamos que quem estuda numa universidade particular tenha o mínimo de condições de oferecer ao menos exemplo a desfavorecidos. Não somos os instruídos, os educados? Não seria de bom senso então que educar ficasse a cargo dos educados?

A verdade é que quem tem isca e anzol, não quer pescar.

Sol? Só em clube.

Trabalho? Só em troca de um bom salário.

Há uma parte da população que só é lembrada quando somos importunados por ela, quando nos abordam no sinal pedindo um trocado ou então quando interrompem nosso papo numa mesa de bar na calçada, vendendo suas flores ou seus chicletes. Para muitas pessoas, esses “oportunistazinhos” brotam do chão e depois, quando entramos no carro e voltamos pra nossa confortável casa, eles se desintegram. Para muitos, os desfavorecidos quando vistos, são espécies de ets, fortes por que matam, mas fracos por que são ignorantes.

Mas aí você pergunta: Como essas crianças ou adolescentes não são notados, se estão nas ruas, a cada esquina?
Simples. Fecham-se os vidros e vira-se o rosto. Favela é como a lua. Alguém já esteve lá, conta como é e o resto fica por conta da nossa imaginação. Criança do morro é como São Jorge, mata um dragão a cada dia, mas está lá pra ser visto daqui. Que fique lá com seus dragões. Foi preciso que uma universidade particular proponha que seus alunos fizessem um trabalho de campo cujo tema fosse “Cidadania” para que mais pessoas fossem à lua. E muitos ficaram surpresos ao descobrir que a lua ficava a menos de dez minutos de casa. Parte dos que a conheceram não querem voltar lá nunca mais.

O ser humano está a cada dia menos humano.

Relações desgastantes, vida corrida, falta de tempo e tudo continua em paz no reino do umbigo.

Mas nem tudo está perdido, acreditam os mais otimistas e militantes do grito de Justiça, igualdade e fraternidade, e a eles me junto. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é um dos mais bem elaborados e redigidos modelos assistencialistas do mundo e seu único problema é que o cidadão não aprendeu a usá-lo. O estatuto definiu a criança e o adolescente como sujeitos de direito que deviam ser respeitadas pela sua condição especial de pessoas em desenvolvimento (Fausto & Cervini), 1991, Revistas Fórum DCA, 1993, Instituto de Estudos Especiais da PUC, (1993). Deveria ser claro como o sol suas primícias:

É dever da família, da Sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, exploração, crueldade e opressão. (Citado conforme Fausto & Cervim, 1991).
Depois de ler a citação acima, não há mais o que dizer. Dai a César o que é de César. Direito é direito. E que os educados universitários enxerguem isso para terem moral de repassar com bravura seu exemplo à sociedade do reino do umbigo, afim de que todos entendam que onde está “é dever da sociedade...”, a essa respondemos nós, providos de privilégios socias, de boa cama, boa comida, de boa vida, e por que não sermos então, boas pessoas?

Cabe a cada um fazer a sua escolha e conhecer ou não a lua. Só depois não reclamem se lunáticos invadirem a terra.

Nelio Souto

Bibliografia
CARVALHO, Inaiá M. M. & ALMEIDA, Fernanda G. (1994), Os jovens no mercado de trabalho (o caso dos convênios de Salvador). Brasília. Ministério do Trabalho/PNUD.
MATTA, Roberto da. (1987), A casa e a rua. Rio de Janeiro, Guanabara.
Instituto de Estudos Especiais da PUC. (1993), Mitos e dilemas do trabalho do adolescente: programas de geração de renda. São Paulo, PUC/SP/Unicef, mimeo.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. (1979), Cidadania e justiça. Rio de Janeiro, Campus.
FAUSTO, Ayrton e CERVINI, Rubem (org.). (1991), O trabalho e a rua. Crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo, Cortez.
CERVINI, Rubem & BURGER, Freda. (1991), "O menino trabalhador urbano no Brasil dos anos 80", in Fausto & Cervini, 1991, pp. 91-109.

Texto também postado no blog do Grupo TiaDora .

2 comentários:

Anônimo disse...

Por isso prefiro os bichos, entende agora??? O ser humano é um ser egoísta, irracional (sim, somos irracionais!) e que precisa aprender demais com os bichos.
Claro que não no sentido pejorativo, onde o bicho tem que o outro para sobreviver, porque os bichos só fazem isso porque não têm outra opção... Nós temos!!! Um mercado cheio de comida aonde só precisamos ir fazer as compas (ou nem isso, alguns entregam no conforto do nosso lar... óh!)... Mas precisamos aprender com os bichos a olhar o outro, observar, perdoar, partilhar, ser gentil... e muitas outras características que fomos ensinados a ter mas não temos!

"...e tudo continua em paz no reino do umbigo."

Beijo!

Unknown disse...

Na sociedade em que vivemos,muitos querem ser maior do que são esquecendo que no mundo existe altos e baixos e que não podemos colocar o boi em frente a corroça.Por isso várias pessoas só olham para o seu proprio umbigo.Ok!