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terça-feira, 8 de julho de 2008

Carta ao amigo distante

Quase morro de saudades.
A quanto tempo...
Pois então. Me faz muito bem falar contigo. Ainda sou uma pessoa muito presa ao passado, ao que vivi, aos amigos que fiz e tudo mais. Contar causos da minha boa época me remete à boas lembranças. Sei que não deveria mas, por mais que esteja trabalhando em cima disso, às vezes foge de mim o controle sobre penar ou não com a saudade que tenho dos meus amigos. Já sofri muito com isso. Cheguei a fazer terapia. Não exclusivamente por causa disso mas foi na terapia que aprendi a lidar com a questão.
Minhas lembranças sempre ficaram muito vivas em minha memória. Por vezes, era como se, para reviver qualquer emoção do passado, simplesmente bastasse pegar o telefone e discar um número que do outro lado logo atenderia um grande amigo, cheio de coisas para contar, curioso pra saber o que tenho feito e ansioso por uma cervejinha e uma sinuca no boteco de sempre. Não é assim. Fiz esse teste várias vezes. O máximo que consegui com tal atitude foi uma intenção forçada de ser agradável e uma interpretação pouco convincente de surpresa ou algo do tipo "que bom que você ligou". O diálogo se segue, comigo fazendo mais perguntas do que sendo questionado e vai até aonde eu resolver finalizá-lo. Depois do telefone desligado, um abismo no tempo. Se eu não ligar de novo, certamente jamais nos falaremos novamente. Isso, mesmo deixando o msn, orkut, telefone de casa, do trabalho, da casa da minha mãe e o celular. Talvez um dia nos cruzemos eu à pé descendo para a praça, o amigo de carro, me comprimentando com uma buzina, pouco diferente de uma buzinada que motoristas dão para espantar bois na estrada, e nada mais. Ah! E na praça mais tarde, em volta de amigos, eu me aproximo. "Não é possível que ainda não tivesse me visto aqui." Depois de repetir umas três vezes que não iria até lá, acabo indo. Formalidades. "-Não se lembra mais dos amigos?-Lembro sim. Pergunto por você às vezes. Bebe aí..."e tal, e tal, e tal...Bebo no seu copo, pergunto pela família, mesmo sabendo como a família está. Sempre busco notícias, inclusive da família e para muitos finjo que a amizade da infância é tão forte e inabalável hoje, como fora antes. Me justico dizendo que "não parece por que morei no Rio muitos anos, sabe como é né...a gente acaba se distanciando". Uns acreditam, outros não. Pra quem não acredita, me sirvo de uma mentirinha: -"Nos falamos sempre", e logo invento uma notícia bem íntima como o problema de coração daquela tia que mora longe ou a tatuagem daquele primo do sul, tudo para provar que a cumplicidade é de dar inveja e de quebra ouvir um "eles são tão amigos né. Cresceram juntos" e assim não haver dúvidas de que a amizade cresceu com o tempo e hoje "...são como irmãos".
Só Deus sabe o quanto fico feliz em trazer pro meu dia de hoje ao menos um pouquinho e apenas em lembrança, sensações da minha época de escola, de campo, de Biquinha, de porre com cuba, de Capelinha, de quadra, de grupo, de saboneteira, de dona Clotilde. Fico feliz e depois sofro.
Entendo que aquela época passou, acabou. As pessoas passaram, acabaram. Pessoas que significaram tudo pra mim numa certa época, não poderia ter tamanho significado agora. Por que à época, ao menos em menor escala, eu também tinha um certo significado. Depois o tempo, que não apagou minha memória, apagou a deles. Éramos confidentes, um sabia do que o outro gostava, como o outro era, nos comhecíamos. Hoje somos estranhos. É estranho ser estranho de alguém que você conhece tão bem. Tudo bem que talvez um pouco mais gordo, com menos cabelo, barbudo, médico, advogado, fazendeiro, sei lá. Muita coisa pode ter mudado nas pessoas mas a pessoa em si é a mesma. O sorriso, o andar, a maneira de mexer no cabelo, de tossir, de ser, tudo isso continua igual, como se não tivesse se passado mais que um dia daquele baile, daquele jogo, de quando fomos buscar laranja na roça, de quando dei aquele recado àquela garota e acabou rolando, de quando estudávamos, à tarde e depois tinha macarronada ou treino com o Zé Cláudio ou porre no REENCONTRO, ou tanta coisa.... Tudo era interessante. Uma roupa nova, tênis novo, viagens,jogo em Guanhães, gols, boletim, gripe. Hoje coisas mais importantes eu não sei. Teve formatura, teve faculdade, teve morte de ente querido, teve namoro que acabou, que começou, teve casório, a família aumentou, teve doença, teve até prisão e eu aqui, dispensado, desnecessário. Teve quem o vento soprou até pra América e eu não passei do limite de mil quilômetros. Não há geografia que justifique a abnegação de um amigo que não o é mais. Por essas e outras, as lágrimas correm. Correm por que o tempo não é de dar muita chance, não. Não quero chorar em cima de caixão de amigos que eu não vi viver e logo não irei querer ver morrer. Não quero ser colocado em teste. Não quero provar a tese de que "só reconhecemos o valor das pessoas depois de as perdermos". Quero amar hoje, dizer que gosto hoje, beijar hoje, abraçar hoje,... sair pra jantar, conversar, contar, cantar, ouvir, chorar...por que não? Não quero remorso. Quero me abastar dos meus amigos enquanto posso. Não sei até quando poderei.

Queria estar aí contigo agora, em qualquer copo sujo que não tivesse hora para fechar as portas. Não quero estar contigo contando os minutos pra te ver dobrar a esquina. Não quero tempo para meus amigos. Quero com eles, eternidade.

Meu orkut, msn, telefone e endereço, ainda são os mesmos.

Nelio Souto

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